domingo, 9 de março de 2014

 


MARAJÓ-ARQUIPÉLAGO À MARGEM DO TEMPO

"Caro Charone, como vai? Espero que bem.
Não concordo com tudo, brilhantemente escrito, porem com quase tudo."
Um grande abraço
Luiz Morais


O arquipélago do Marajó é um pedaço de terra que se encontra à margem do tempo. Sob todos os aspectos, o Arquipélago parece um daqueles casos previstos na Teoria da Relatividade quando o tempo literalmente “para” enquanto o navegante do espaço se encontra diante de certas condições. Porém, no Marajó, o caso é inverso. Enquanto o mundo aumenta sua velocidade, a ilha retrocede para a velocidade do cágado, abandona a perseguição ao progresso e se enclausura nas profundezas de um ambiente de fumaça escura e tenebrosa. Detentora de índices de desenvolvimento baixíssimos, atacada brutalmente por endemias acachapantes, seu povo está mergulhado no Hades Grego (o inferno cristão), lutando desesperadamente contra os maiores índices de malária, a dengue, as verminoses, o tráfico de escravas e terribilíssimos casos de pedofilia. Situada a não mais que 200 quilômetros da capital levam-se dois dias para atingir algumas das suas mais importantes cidades. Casos há de locais onde um ser humano chega a cada dois anos para descobrir famílias inteiras no estado da “pedra lascada”. Durante o inverno a ilha submerge e se confunde com o Amazonas que a cobre de todo, permitindo viajar de “voadeira” de leste para oeste da ilha. Nos verões escaldantes, sobram somente milhares de filetes de água a escorrerem por entre um deserto de argila seca, rachado pelo esturricante sol equinocial. Nesses meses, a ilha se parece com a meninge araquinóide (de aranha) e seu deserto aniquila rebanhos inteiros, trazendo o desânimo. É um caso marcante de retrocesso. Há não mais que meio século o arquipélago era o grande fornecedor de carne, palmito, açaí, leite e seus derivados para capital do Estado, cujos moradores olhavam-na como o Paraíso Perdido de Adão e Eva. Para a engenharia, o arquipélago é o maior dos desafios porque exige logística mais complicada e dificultosa que a enfrentada por Napoleão Bonaparte no inverno russo. Anos são gastos para implantar pequenos sistemas de abastecimento de água, constituídos de um poço artesiano, uma caixa elevada sobre quatro esmirrados pilares e alguns metros de tubos para a distribuição à um punhado de gente. Os recursos não chegam à população e ficam indiferentes às “autoridades” confortavelmente instaladas no ar condicionado de um ótimo salário. Parecem dizer: “dane-se a população, porém mantenha-se a lei”.    Como imaginar que uma cidade como Breves permaneça anos a fio sem um pingo de água para beber?  Como aceitar que cidades como Anajás tenha 80% da população atacada pela malária, por falta de saneamento básico? A explicação está contida nos cálculos mais que esmiuçados de “joelhos hidráulicos e tês de uma polegada” e outras bugigangas que se compram por um tostão. Para leva-los até lá, custam o olho da cara, porém, é lei e não se paga transporte. Para um  morador que vê de perto, isso é mesmo “a lei do cão”, literalmente. Evidentemente que o arquipélago necessita de tratamento diferenciado, do tipo que se fez para as construções da Copa. Faz três décadas um presidente da república anunciou a descoberta de petróleo na ilha, quando, na realidade, furou-se 3 mil metros de sucessão de lama, areia, lama, areia. Sem o óleo e sem turismo, a Ilha mergulhou novamente no estado letárgico. Agora aparece um plantador de arroz expulso de suas terras que as deixou para índios com máquina fotográfica. Anuncia produção excelente naquelas terras molhadas. Não demorará aparecerão os ambientalistas para lhes cortar os ânimos, para destruir-lhe o capital e seus empregos à população local. Se isso acontecer, igualar-se-á ao destino do bravo e sonhador Orellana que morreu lutando contra os índios canibais da Ilha Mexiana, que ele diz ter visto na sua guerra particular para conquistar o “El Dorado”. Pensando bem, a Ilha do Marajó é, literalmente, a imagem da cidade “Macondo”, vivendo na solidão do tempo, aonde o progresso chegava a cada Cem Anos, na visão do fantástico Gabriel Garcia Marques.                   






Nagib Charone Filho
Engº. Civil e Profº. da UFPa.

nagibcharone@yahoo.com.br